Por: Pérsio Roxo-Júnior
Professor do Departamento de Puericultura e Pediatria e Chefe da Divisão de Imunologia e Alergia Pediátrica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e integrante do Departamento de Imunologia Clínica da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).
O que é imunodeficiência?
O sistema imunológico tem como objetivo primordial a função de defender nosso organismo contra vários agentes invasores, que podem ser bactérias, vírus, fungos e vários tipos de parasitas intestinais. Para esta função de defesa, ele utiliza diferentes ferramentas, todas elas com a sua devida importância para a proteção adequada. A primeira linha de defesa do sistema imunológico é formada por células do sangue denominadas glóbulos brancos (neutrófilos e macrófagos) e por proteínas do sangue (sistema complemento), que são capazes de destruir micro-organismos. Quando a primeira linha de defesa não consegue destruir os micro-organismos em um primeiro momento, o organismo lança mão de células específicas, denominadas linfócitos T e B, sendo que estes últimos produzem anticorpos.
Imunodeficiência é um grupo de doenças caracterizadas por um ou mais defeitos dos componentes do sistema imunológico. Como consequência destas alterações, o indivíduo se torna mais propenso a apresentar infecções frequentes e graves.
Estas alterações do sistema imunológico são hereditárias?
Existem dois grupos de alterações imunológicas. O primeiro grupo é de origem genética e tem caráter hereditário, e geralmente começa na infância, embora em algumas situações só se manifeste na idade adulta. Nestes casos, outros membros da família podem ser afetados também. Estas alterações são conhecidas como Erros Inatos da Imunidade ou Imunodeficiências primárias. O segundo grupo não é de origem genética e nem de caráter hereditário, mas aparece como consequência de outras doenças, como desnutrição grave, doenças crônicas, infecção pelo HIV (vírus causador da AIDS) e uso de medicações que deprimem a imunidade (imunossupressores, corticoides e outros). São conhecidas como Imunodeficiências secundárias ou adquiridas. Este segundo grupo é mais frequente que o primeiro.
Os recém-nascidos são imunodeficientes?
Não. Os recém-nascidos recebem anticorpos da mãe através da placenta, nascendo com níveis adequados de anticorpos (semelhantes aos níveis da mãe), o que lhes fornece proteção contra infecções nos primeiros meses de vida. Porém, a partir dos seis meses de vida, os níveis de anticorpos maternos diminuem significativamente no sangue da criança, a qual passa por um processo fisiológico de imaturidade de seu sistema imunológico. A redução importante dos anticorpos maternos e a imaturidade fisiológica do sistema imunológico das crianças as torna mais vulneráveis a infecções. Entretanto, geralmente estas infecções são leves e não apresentam complicações. Nesta fase, a criança começa a produzir, progressivamente, os seus próprios anticorpos, conforme a mesma vai entrando em contato com o meio ambiente. O leite materno também é uma fonte rica de anticorpos e de outros componentes valiosos para a defesa do organismo. Este é um dos motivos da importância da manutenção do aleitamento materno, principalmente no primeiro ano de vida.
Crianças com resfriados mensais devem ser investigadas para imunodeficiência?
Não. Resfriados são infecções virais, geralmente sem gravidade, que frequentemente acometem crianças saudáveis, especialmente as que frequentam creches e escolas. Portanto, desde que não haja complicações para infecções mais graves, os resfriados frequentes não sugerem imunodeficiência.
As imunodeficiências só se manifestam como infecções repetidas?
Não. Algumas vezes as imunodeficiências primárias podem se manifestar como diarreia crônica, retardo de crescimento, emagrecimento, doenças alérgicas graves, doenças autoimunes (por exemplo: lúpus eritematoso e artrite reumatoide), doenças inflamatórias, tumores e alterações no sangue (anemia e diminuição de glóbulos brancos).
As imunodeficiências podem levar à morte?
O prognóstico das imunodeficiências primárias depende de uma série de fatores. A idade da criança na época do diagnóstico é muito importante. Quanto mais cedo a doença for diagnosticada, maiores são as chances de cura e uma boa qualidade de vida para a criança. Por outro lado, quando o diagnóstico é tardio, a probabilidade de ocorrência de complicações e sequelas é muito maior, inclusive com risco de morte. Por isso, é muito importante que as crianças sejam levadas rotineiramente ao pediatra, desde os primeiros meses de vida. Outro fator que muito influencia no prognóstico é o tipo de imunodeficiência, pois algumas delas são muito graves e envolvem risco de morte, caso não sejam tratadas rapidamente. Por outro lado, muitas imunodeficiências são menos graves e não causam tantas complicações ou risco de morte, mas mesmo assim necessitam ser diagnosticadas precocemente.
Existe tratamento para as imunodeficiências?
Existem diferentes formas de tratamento, dependendo do tipo de imunodeficiência. Podem ser com medicações para estimular a produção de glóbulos brancos (que atuam na medula, aumentando a produção dessas células), com a reposição mensal de anticorpos, com terapia gênica (ainda não disponível no Brasil) e também com o transplante de células-tronco, já realizado em nosso país. O mais importante é que as imunodeficiências sejam diagnosticadas rápida e corretamente, para que o tratamento adequado seja iniciado o mais cedo possível.
Realizando-se estes tratamentos não será mais necessário o uso de antibióticos?
Nem sempre. Estas formas de tratamento têm a finalidade de curar ou melhorar o funcionamento do sistema imunológico, mas o uso de antibióticos será necessário toda vez que ocorrerem infecções, como por exemplo, abscessos, otites, sinusites e pneumonias. Há casos, também, em que a criança já apresenta sequelas decorrentes das infecções repetidas e o uso de antibióticos de forma contínua poderá ser necessário. Também existem algumas imunodeficiências, cujo principal tratamento recomendado é o uso de antibióticos de forma preventiva, para reduzir a frequência e recorrência de infecções.
Pacientes que recebem anticorpos mensalmente deverão ser tratados pela vida toda?
Para algumas imunodeficiências (geralmente as mais graves), sim, por período indeterminado (ou até surgir outro tipo de tratamento). Entretanto, algumas imunodeficiências são tratadas com reposição de anticorpos por tempo limitado, por um a dois anos.
Pacientes com imunodeficiências podem ter filhos?
A imunodeficiência, por si só, não contraindica a gravidez ou a possibilidade de ter filhos. Porém, para algumas imunodeficiências há risco significativo de os filhos apresentarem o mesmo problema, por serem doenças hereditárias. Pais consanguíneos (parentes entre si) também têm maior risco de terem filhos com imunodeficiência.
Pacientes com imunodeficiências podem receber vacinas?
Depende do tipo de imunodeficiência e do tipo de vacina. Em algumas doenças, como deficiências do sistema complemento, todas as vacinas são recomendadas. Entretanto, para imunodeficiências graves, as vacinas de micro-organismos vivos atenuados (por exemplo: BCG, febre amarela, poliomielite oral, rotavírus, tríplice viral e catapora) são contraindicadas. Por isso é importante que a maior parte possível da população seja vacinada. Desta forma, os pacientes imunodeficientes, que são mais suscetíveis e que realmente não podem ser vacinados, ficarão mais protegidos.
Se meu filho apresentar infecções repetidas e suspeita de imunodeficiência, qual médico devo procurar?
Infecções são as principais causas de procura por atendimento médico em crianças. A maioria das imunodeficiências primárias tem início na infância. Portanto, o pediatra é o médico que deve iniciar o atendimento e acompanhar as crianças com infecções repetidas. Caso haja necessidade, as crianças deverão ser encaminhadas ao pediatra especialista (imunologista pediatra) para investigação e acompanhamento.
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