Células B como Fonte Não Convencional de Acetilcolina: Um Novo Eixo de Modulação da Inflamação Pulmonar Antiviral
24 de junho de 2025
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Alunos: André Correa e Keise Pereira

Editora: Dra. Beatriz Rossetti Ferreira

Seminário apresentado junto ao Curso de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada da FMRP-USP.

 

As infecções virais do trato respiratório, como a provocada pelo vírus influenza A, continuam sendo um problema sério para a saúde pública mundial. O organismo precisa montar uma resposta imune rápida para conter a multiplicação do vírus, mas essa reação deve ser cuidadosamente controlada para evitar inflamações exageradas que podem causar danos permanentes ao tecido pulmonar. Um dos principais culpados desses danos é o excesso de citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral (TNF), produzidas por macrófagos intersticiais — células importantes na defesa do pulmão. O estudo recente de Cembellin-Prieto et al. (2025) trouxe uma descoberta bastante interessante: as células B, conhecidas principalmente por produzir anticorpos, também podem produzir acetilcolina (ACh), um neurotransmissor clássico do sistema nervoso que, surpreendentemente, atua como um poderoso regulador do sistema imune. Essas células B produtoras de ACh são capazes de controlar a ativação dos macrófagos pulmonares e, consequentemente, a liberação de TNF durante a infecção pelo vírus influenza A.

 

Os pesquisadores usaram camundongos geneticamente modificados para que as células que produzem ACh ficassem marcadas por fluorescência (modelo ChAT-GFP). Assim, puderam identificar quais células no pulmão produziam acetilcolina durante a infecção. Eles descobriram que, logo nos primeiros dias após a infecção, as células B, especialmente um subtipo chamado B-1, eram a principal fonte de ACh no pulmão, enquanto as células T apresentavam baixa produção do neurotransmissor nesse momento inicial. Para entender como a ACh afetava os macrófagos intersticiais (IMs), os cientistas realizaram experimentos in vitro e in vivo. Em culturas celulares, a adição de ACh reduziu a quantidade de macrófagos ativados que produziam TNF e também diminuiu a intensidade desse marcador inflamatório. Já em camundongos vivos, a administração de ACh e de um medicamento que impede a degradação da acetilcolina levou a uma redução nos sinais de ativação dos IMs, como marcadores CD86 e MHC-II, e ao aumento do marcador CD206, associado a uma resposta anti-inflamatória. Também foi observada uma menor expressão de genes inflamatórios no pulmão.

 

Para provar que essa modulação dependia da ACh produzida especificamente pelas células B, os pesquisadores criaram camundongos com deleção da enzima responsável pela síntese de ACh (ChAT) somente nessas células (modelo ChatBKO). Esses animais apresentaram uma ativação exagerada dos macrófagos intersticiais, com aumento da frequência de células produtora de TNF e maiores níveis do marcador de ativação CD86. Esse efeito não foi observado em camundongos com deleção de ChAT em células T, confirmando o papel exclusivo das células B produtoras de ACh na regulação da inflamação pulmonar. Além disso, a ativação excessiva foi específica dos IMs, não afetando os macrófagos alveolares, outro tipo de célula pulmonar.

 

O estudo também revelou que essa supressão da ativação dos macrófagos pela ACh tem um impacto importante no controle da carga viral. No primeiro dia pós-infecção, os camundongos ChatBKO, que não produziam ACh em suas células B, apresentaram uma carga viral cerca de dez vezes menor que a dos camundongos normais. Isso indica que o aumento da produção de TNF, que ocorre na ausência de ACh, auxilia no controle inicial do vírus. De forma complementar, o bloqueio do TNF em camundongos normais resultou em aumento da carga viral, reforçando o papel do TNF no combate precoce à infecção.

 

Porém, embora o controle viral inicial fosse melhor nos camundongos sem ACh nas células B, eles desenvolveram inflamação pulmonar grave nos dias seguintes, entre o 10º e o 14º dia após a infecção. Essa inflamação exacerbada veio acompanhada de aumento das células T CD8 efetoras e de memória, ativação de células NK e CD8 no baço, além de alterações visíveis na estrutura do tecido pulmonar, como degeneração do epitélio nasal. Ainda, esses camundongos mostraram redução na expressão de genes importantes para a integridade e o reparo do epitélio pulmonar. Interessante notar que, a partir do 7º dia, a carga viral se igualou entre os grupos, e o vírus foi eliminado em ambos até o 14º dia, indicando que os danos teciduais não foram consequência da incapacidade de controlar a infecção, mas sim da resposta inflamatória desregulada no início. Os pesquisadores observaram por microscopia confocal que as células B produtoras de ACh ficavam próximas dos macrófagos intersticiais no tecido pulmonar, sugerindo que a comunicação entre essas células ocorre por contato direto.

 

Para entender o mecanismo pelo qual a ACh age sobre os macrófagos, foram realizados experimentos de transferência adotiva, onde macrófagos normais ou deficientes no receptor nicotínico α7 da ACh (α7nAChR) foram transferidos para camundongos com ou sem células B produtoras de ACh. Os resultados mostraram que a supressão da ativação dos macrófagos depende da presença do receptor α7nAChR e da ACh derivada das células B, confirmando que a acetilcolina atua diretamente nos macrófagos via esse receptor para controlar a produção de TNF.

 

Em resumo, este estudo revela um eixo neuroimune inovador no pulmão, em que células B produtoras de acetilcolina modulam precocemente a inflamação ao controlar a ativação dos macrófagos intersticiais durante a infecção pelo vírus influenza A. Essa modulação reduz a produção de TNF, equilibrando a necessidade de conter o vírus com a prevenção de uma resposta inflamatória exagerada que prejudicaria o tecido pulmonar e o processo de reparo. Essa estratégia fina de regulação imunológica mostra como o organismo prioriza a recuperação a longo prazo, mesmo que isso signifique permitir uma replicação viral inicial ligeiramente maior.

 

Referência:

Cembellin-Prieto, A., Luo, Z., Kulaga, H. et al. B cells modulate lung antiviral inflammatory

PUBLICADO POR
SBI Comunicação
Colunista Colaborador
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