Aspirina contra o câncer: substância derivada do medicamento inibe proteína associada ao desenvolvimento de tumores
31 de julho de 2018
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Pesquisa da UFMG apontou que o salicilato de sódio pode ajudar a controlar a proteína ATF6alfa

Por Rafaela Garcia, repórter SBI/NcgCE
Um medicamento que chegou ao mercado há mais de 100 anos e que é conhecido por aliviar a febre e dores de milhões de pessoas em todo mundo, a Aspirina (ácido acetilsalicílico) é metabolizada a uma molécula capaz de controlar a proteína ATF6alfa – associada a alguns tipos de cânceres – o salicilato de sódio. É o que os pesquisadores Aristóbolo Mendes da Silva e Fernanda Lins Brandão Mügge, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sugeriram em sua mais recente  pesquisa. O estudo foi orientado pelo professor e pesquisador Aristóbolo Mendes da Silva, do Departamento de Morfologia do ICB.
O ATF6alfa é uma proteína transmembrana localizada no retículo endoplasmático, que dentro de um grupo de proteínas que inclui PERK e IRE-1 coordena a resposta celular, conhecida como ‘resposta a proteínas mal dobradas’.
Em diferentes situações de estresse celular, como a  deficiência de oxigênio ou da glicose, infecções virais ou em doenças genéticas, ocorre o acúmulo de proteínas mal dobradas no interior do retículo endoplasmático, o que leva ao estresse dessa organela.
Este processo leva à ativação da via de resposta a proteínas mal dobradas, que torna a célula mais capaz de lidar com este acúmulo. Por outro lado, caso a célula não consiga resolver este problema, alguns genes ativados pela resposta a proteínas mal dobradas podem direcionar a célula para a apoptose, que é a morte celular. “Para resolver esse estresse a célula ativa ATF6, PERK e IRE-1, sendo que cada uma vai ativar vias de sinalização específicas. As vias ativadas por ATF6alfa estão relacionadas, principalmente, ao retorno do retículo endoplasmático ao seu estado normal e, com isso, promovem a sobrevivência celular. Nos testes em laboratório, o salicilato de sódio inibiu a ativação e função de ATF6a, impedindo a sua atuação no interior das células”, explica a pesquisadora.
Essa pesquisa indica que a proteína ATF6alfa é um alvo da ação do salicilato de sódio, que é uma molécula gerada nas células após a ação da Aspirina sobre a enzima ciclo-oxigenase, mecanismo descoberto na década de 70. “Nós observamos que, em células que são expostas a agentes indutores de estresse do retículo endoplasmático, o tratamento simultâneo com salicilato de sódio impede a ativação de ATF6alfa e reduz a expressão de genes alvo deste fator de transcrição”, comenta Fernanda Mügge.
Segundo a pesquisadora descobrir novos alvos para medicamentos em que já se conhecem os efeitos adversos e como agem no organismo, gera uma ‘economia de tempo’, pois na descoberta de novos fármacos são necessários no mínimo 10 anos para o que se foi desenvolvido em laboratórios esteja disponível no mercado para o público. Além disso, outro fator importante é a segurança para os pacientes, pois muitas vezes os efeitos adversos ocultos só são descobertos após o lançamento do medicamento e sua ampla comercialização.

Relação entre ATF6alfa e o câncer
As vias ativadas pela proteína ATF6alfa estão relacionadas à sobrevivência celular. No microambiente de tumores as células estão continuamente expostas a fatores que causam estresse do retículo endoplasmático, por exemplo, a falta de oxigênio e de nutrientes, alguns tipos de células tumorais mantém essa via ativada. “É importante frisar ainda que a ativação da resposta de proteínas mal dobradas do retículo endoplasmático contribui para a patogênese das doenças inflamatórias intestinais e pode aumentar o risco de desenvolver câncer colorretal. Pouco se sabe sobre o papel funcional das isoformas alfa e beta do ATF6 no câncer”, explica o pesquisador.
Na literatura são encontrados registros de aumento de expressão de ATF6alfa em câncer de próstata, colorretal, carcinoma biliopancreático e de pâncreas, que se correlaciona com piores prognósticos. “Além disso, já foi demonstrado em estudos in vitro que a ativação de ATF6alfa em células tumorais confere resistência a fármacos citostáticos, à radiação, e promove a sobrevivência de células tumorais dormentes. No entanto, além de serem poucos, esses estudos são todos muito recentes”, explica Fernanda Mügge.
Os benefícios da Aspirina na prevenção do desenvolvimento de cânceres já são estudados há muitos anos em pesquisas clínicas, em que muitas vezes são observados pacientes que utilizam este medicamento para tratar outras condições, como doenças cardiovasculares. Segundo Aristóbolo tais estudos são reforçados pela Força Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos da América, que em abril de 2016 passou a indicar a prescrição do fármaco para adultos entre 50 e 59 anos, com expectativa de vida acima de 10 anos.
Entretanto, não são todas as pessoas que podem fazer uso contínuo da Aspirina, devido ao risco de úlcera e sangramentos gastrointestinais em indivíduos com predisposição. “O que nossa descoberta indica é que o mecanismo de prevenção de câncer pela Aspirina pode estar relacionado à inibição de ATF6alfa, mas isso não quer dizer que qualquer pessoa deva consumir este medicamento com o intuito de prevenir ou tratar câncer, principalmente sem a orientação de profissionais da saúde”, ressalta a pesquisadora.
De acordo com os cientistas, a próxima etapa da pesquisa é aprofundar a investigação do mecanismo de ação da Aspirina e do salicilato de sódio sobre ATF6alfa, para avaliar se este efeito é direto sobre a proteína ou se é indireto. “Mas, concomitante a esta abordagem, será fundamental examinar os níveis das isoformas alfa e beta de ATF6 em um painel diverso de linhagens celulares tumorais humanas (como o NCI-60 do NIH, USA) e avaliar o efeito do salicilato de sódio sobre a ativação de ATF6alfa. Pois, assim, forneceremos evidências adicionais de nossa descoberta e contribuiremos para o melhor entendimento da associação do potencial efeito quimiopreventivo da aspirina através de ATF6alfa”, explica Aristóbolo. A pesquisa também irá investigar se outras vias de sinalização mediadas por ATF6alfa e relacionadas ao desenvolvimento de câncer também são inibidas em células tratadas com salicilato de sódio.
 
Artigo
Aspirin metabolite sodium salicylate selectively inhibits transcriptional activity of ATF6 and downstream target genes
 
Conteúdo relacionado a pesquisa
U.S. Preventive Services Task Force

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