As pessoas picadas pelo escorpião amarelo (Tityus serrulatus), incidente que pode levar a óbito, podem ter ganho um aliado nos primeiros socorros – a administração de anti-inflamatórios de fácil acesso. É o que aponta um estudo publicado na Nature Communications (acesse aqui) realizado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pela professora Lúcia Helena Faccioli e desenvolvido durante o pós-doutorado de Karina Furlani Zoccal.
A peçonha do escorpião, comum nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, gera uma reação inflamatória local, mas em alguns casos evolui para uma reação inflamatória sistêmica podendo causar edema pulmonar, dificultando a respiração e, eventualmente, levando à morte do paciente.
A pesquisa descreveu os mecanismos envolvidos na reação sistêmica – iniciada após a ativação do inflamassoma pelo reconhecimento do veneno do escorpião por receptores do tipo Toll – e como um dos mediadores, o leucotrieno B4 (LTB4), desempenha um papel anti-inflamatório no processo. “Esta é a primeira vez que foi mostrado que o LTB4atua como anti-inflamatório, inibindo o edema. Outros papéis benéficos do LTB4 já tinham sido descritos por nós e outros grupos (o LTB4 ativa as funções efetoras dos macrófagos). Como mostramos em nosso artigo, o LTB4 inibe a produção de monofosfato cíclico de adenosina (cAMP), de prostaglandina E2 (PGE2), de interleucina-1 beta (IL-1β) e o edema. O que já se sabia da literatura é que, em alguns modelos experimentais, a diminuição de LTB4 resulta no aumento de PGE2, e vice-versa”, explica Lúcia.
A ativação do inflamassoma pela peçonha induz a liberação da IL-1β, que irá induzir a produção de dois mediadores lipídicos: a PGE2 e o LTB4. Estes, por sua vez, atraem outras células de defesa para o pulmão e eliciam o edema pulmonar. O processo foi observado tanto em testes in vitro como in vivo, sendo que nestes últimos foram utilizados camundongos selvagens e dois grupos geneticamente modificados (um grupo sem duas proteínas formadoras do inflamassoma e o outro não tinha receptor de IL-1β). Os camundongos modificados sobreviveram a doses letais da peçonha do escorpião amarelo, indicando a importância destas moléculas na resposta inflamatória.
No entanto, a pesquisa mostrou também que o LTB4 atua no processo de maneira inversa. Ao pesquisar o papel específico do LTB4, utilizando camundongos que não produzem o mediador, observou-se que estes apresentavam resposta inflamatória mais intensa na presença da peçonha, além de morrer antes dos camundongos selvagens. Em estudos in vitro, os pesquisadores descobriram que a PGE2 atua sobre o cAMP, que aumenta a IL-1β (potencializando a resposta inflamatória), enquanto o LTB4 reduz a ação do cAMP, diminuindo a produção da IL-1β.
Ao tratar camundongos selvagens com os anti-inflamatórios indometacina ou celecoxibe, a produção da PGE2 foi inibida, assim como o processo inflamatório potencialmente fatal. “A inibição da produção de PGE2 (pela indometacina ou pelo celecoxibe) resulta no aumento da produção de LTB4, o que seria benéfico. Este efeito benéfico ocorre devido a alteração do balanço na produção destas duas classes de mediadores, causado por anti-inflamatórios, além da regulação da produção do cAMP. Quando um fármaco inibe a via de produção das prostaglandinas, pode aumentar a via da produção dos leucotrienos, pelo menos em alguns modelos, embora não em todos”, ressalta a pesquisadora.
Caso se confirme o papel da IL-1β e da PGE2 na ativação do processo inflamatório em humanos, o uso da indometacina (ou do celecoxibe) poderá servir como importante recurso paliativo no tratamento das picadas do escorpião amarelo. As pesquisas com humanos, inicialmente com soro de pacientes da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), aguardam apenas a aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). “Assim que nosso projeto for aprovado, daremos início no dia seguinte. Creio que isto deva ocorrer até final de março”, afirma Lúcia.
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