Cada linfonodo é único!
26 de outubro de 2023
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Autores: Samuel Oliveira, Sara Cândida Barbosa

Editora: Beatriz Rossetti Ferreira

Seminário apresentado junto ao Curso de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada USP/RP

Referência: ATAIDE, M.A. et al. Lymphatic migration of unconventional T cells promotes site-specific immunity in distinct lymph nodes. Immunity, v. 55, n. 10, p. 1813-1828. e9, 2022. DOI: 10.1016/j.immuni.2022.07.019

 

O nosso organismo está constantemente em contato com agentes externos, como os alimentos, microrganismos que compõem a nossa microbiota, potenciais alérgenos e microrganismos causadores de doença (patógenos), como o Coronavírus. Todos estes componentes interagem com o organismo hospedeiro através de tecidos de revestimento que possuem função de barreira, como a pele, os pulmões e o intestino, onde temos camadas de células justapostas e a produção de moléculas com atividade microbicida que dificultam a sobrevivência dos patógenos.

Esses tecidos ainda possuem grandes quantidades de células do sistema imunológico, que estão constantemente trabalhando para manter o equilíbrio do nosso organismo. Nesse sentido, algumas células funcionam como “jardineiras” da nossa microbiota e têm a função de controlar o seu crescimento através da produção de compostos antimicrobianos e muco, enquanto outras atuam como vigilantes e são capazes de identificar e responder rapidamente à chegada indesejada de um patógeno nos tecidos. Entre as células sentinelas, nós temos os macrófagos residentes que podem atacar diretamente o patógeno, células dendríticas que podem carrear antígenos destes patógenos para os linfonodos que drenam o tecido e alertar este órgão sobre a presença de invasores, bem como ativar células T convencionais que, após sua diferenciação e expansão, irão migrar para o tecido para combater a infecção.

Outra classe de células que pode estar associada a essa resposta imune local são as células T não convencionais (UTCs), que podem ser classificadas em três grandes grupos, as células Tγδ, as células T associadas às mucosas (MAIT) e as células T assassinas naturais (NKT). O que as UTCs têm em comum?

Bom, as principais características que agrupam estas células é a expressão de receptores de células T (TCR) com diversidade de reconhecimento antigênico bastante limitado e capacidade de reconhecer antígenos não proteicos apresentados por complexos que não são codificados pelo loci do complexo principal de histocompatibilidade (MHC). De modo geral, as UTCs podem ser ativadas diretamente pelo reconhecimento de um antígeno via TCR ou por citocinas. A ação destas células é imediata, o que as coloca numa interseção entre a imunidade inata e a imunidade adaptativa.

Considerando a ampla distribuição das UTCs nas barreiras teciduais e a rápida responsividade, o artigo discutido neste texto teve o objetivo de avaliar se as UTCs seriam capazes de promover resposta imune local, rápida e integrada com os linfonodos drenantes daquele sítio.

O trabalho publicado pelo pesquisador brasileiro Marco Ataíde e colaboradores, mostra que linfonodos de diferentes regiões do corpo possuem perfis imunológicos diversos, evidenciado por padrões distintos de produção de citocinas entre linfonodos drenantes da pele (sdLN), do pulmão (medLN) e do intestino (mesLN). As diferenças, por exemplo, na produção de IL-4 por células NKT entre sdLN e medLN estava associada a diferenças na capacidade destes linfonodos em gerar células produtoras de uma classe de anticorpos chamada de IgG1 em resposta às infecções virais.

O mesmo princípio se aplicou às células Tgd, visto que a proliferação destas células em resposta à uma infecção bacteriana, que naturalmente acomete a pele e o pulmão, também diferiu entre os sdLN e os medLN, confirmando a hipótese dos autores de que cada barreira e seus respectivos linfonodos de drenagem possuem UTCs com um perfil imunológico único e com capacidade de impactar de forma diferente a imunidade a um mesmo patógeno em diferentes sítios de infecção (Fig. 1).

Foi ainda mostrado que, dentre outras populações, as UTCs possuem células produtoras de IFNg e células produtoras de IL-17, Th1 like e Th17 like, respectivamente; e que cada linfonodo, bem como o tecido que ele drena possuem porcentagens únicas de cada população. Além disso, a qualidade do tecido drenado é que imprime tais características nos linfonodos, uma vez que essas porcentagens são alteradas quando é realizada uma cirurgia de troca de localidade dos linfonodos. Isto é, quando os autores removeram um linfonodo da perna e o implantaram no intestino, o mesmo passou a se comportar como um linfonodo do intestino, enquanto um linfonodo de intestino transplantado para a perna passou a se comportar como um linfonodo sdLN.

Foi ainda observado que dentre as UTCs, podem ser encontradas células negativas para a expressão de CD62L e positivas para CD44, denominadas de UTCs residentes, ou seja, sem a capacidade de migrar pelo sangue. Bem como células com alta atividade migratória, que são as que expressam CD62L. A população de UTCs que respondeu à infecção por estafilococos foi uma população residente da pele, visto que o bloqueio da migração celular dependeu da expressão de CD62L, já que o bloqueio desse ligante não alterou a resposta imune à bactéria.

Para melhor caracterizar essas UTCs, os autores fizeram o sequenciamento de células única de UTCs residentes da pele de camundongos em homeostase, o que revelou a existência de três grupos celulares. Estes três grupos, com relação ao perfil transcricional, possuíam um mix de células Tgd, MAITs e NKTs. Ou seja, a funcionalidade da UTC parecia não depender do tipo de TCR que ela expressava, visto que um mesmo grupo funcional possuía células que expressavam distintos TCRs.

Foi visto que as células Tgd, MAITs e  NKTs pertencentes a um mesmo grupo funcional (1, 2 ou 3) produziam de forma rápida grandes quantidades de citocinas (4 horas) em resposta à uma infecção. Mais ainda, as três subpopulações contribuem para este fenômeno, sendo a participação de cada uma delas relativas ao linfonodo. Estas três subpopulações celulares possuíam o mesmo nicho biológico, permitindo que a ausência de uma fosse suprida por suas colegas de grupo. Assim, a ausência das MAITs, NKTs ou as células Tgd, individualmente, não afetava a capacidade de produção de citocinas de um determinado linfonodo. Essa ação compensatória era suficiente para promover a imunidade local imediata contra infecções e sustenta um novo conceito: as atividades das células Tgd, MAITs  e  NKTs se somam, formando uma unidade funcional única em cada linfonodo.

Este fenômeno pode ser extremamente importante quando se pensa que diferentes barreiras possuem microbiota diversa e estão suscetíveis a infecção por diferentes tipos de patógenos. Por fim, esta descoberta traz à baila a relevância de se levar em consideração os grupos funcionais de UTCs de cada linfonodo ao se propor estratégias vacinais que tenham estas células como alvo.

Figura 1. Migração linfática de células T não convencionais promove imunidade sítio-específica em diferentes linfonodos.

 

Referências:

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PUBLICADO POR
SBI Comunicação
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