Autores: Rafaela Miranda Barbosa e Samuel Oliveira
Editor: Ademilson Panunto Castelo
Seminário apresentado junto ao Curso de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada USP/RP
Em um estudo intitulado “Chronic stress increases metastasis via neutrophil-mediated changes to the microenvironment”, publicado em março de 2024 no períódico Cancer Cell, Xue-Yan He e cols. mostraram resultados extremamente relevantes nos quais os glicocorticoides (GCs) liberados durante estresse crônico promovem metástases em um mecanismo dependente da formação de “redes” de DNA extracelular com atividade microbicida (armadilhas extracelulares de neutrófilos/NETs) e remodelamento do microambiente tecidual.1
O estresse crônico é conhecido por seu impacto negativo na saúde e alguns estudos já mostraram que ele está vinculado ao avanço de certos tipos de cânceres. GCs, tais como o cortisol em humanos e a corticosterona em roedores, são hormônios que tem papel essencial na resposta ao estresse, induzindo sinalização ao se ligarem a receptores de glicocorticoides (GR) expressos em vários tipos celulares, inclusive em células do sistema imunológico. Esse é um processo importante para a manutenção da homeostase, frente às adversidades do ambiente, no entanto, a desregulação desse eixo pode gerar disfunções imunológicas e intensificar o crescimento tumoral. Nesse artigo, os autores demonstram os efeitos negativos do estresse na funcionalidade dos neutrófilos e como esse processo ajuda a criar um ambiente propício para o desenvolvimento de metástases.
Para simular o estresse crônico vivenciado por um paciente com câncer, induziu-se câncer de mama em camundongos que foram submetidos a uma condição altamente estressante, restrição física por aprisionamento em frascos de 50 mL, o que eleva as concentrações séricas de corticosterona e intensifica o crescimento tumoral e a induz metástase. Curiosamente, a suplementação com corticosterona por si só já promoveu o mesmo efeito. Ainda, mudanças significativas foram detectadas nos pulmões dos animais estressados, com diminuição da expressão gênica e proteica de componentes do sistema imunológico envolvidos com o controle de tumores junto ao aumento de fatores envolvidos na remodelação tecidual que contribuem para a progressão tumoral.
Ademais, foi notado que em camundongos estressados havia uma razão neutrófilos: células T muito maior do que nos animais não estressados. Este desbalanço foi correlacionado com pior prognóstico do câncer devido a capacidade de neutrófilos estimulados por GC de inibirem a ativação de células T. Confirmando esses dados, foi visto que, realmente, a depleção de neutrófilos resultou na diminuição do processo metastático em animais submetidos ao estresse. Mas eis o questionamento: como o estresse interfere na funcionalidade do neutrófilo? Análises de sequenciamento de RNA revelaram que essas células tiveram uma reprogramação gênica, adotando um fenótipo envelhecido (alta expressão de CXCR4, alta expressão de CD62L e baixa expressão de CXCR2). Genes associados ao metabolismo oxidativo e vias importantes para liberação de NETs também estiveram aumentados.
O ponto alto do artigo foi a demonstração de que é esse aumento de NETs, mediada pela via de GC/GR, induz o remodelamento de matriz extracelular e produção de fibronectina, criando um ambiente favorável para o estabelecimento de um tumor secundário (metástase). Dados de transcriptoma de pacientes com câncer corroboram o que foi observado nos camundongos. Uma assinatura genética de exposição ao estresse foi associada a uma menor sobrevivência, sugerindo que o estresse crônico e os glicocorticoides afetam o sistema imunológico, também por promover NETs e acelerar a metastização de tumores. Essas descobertas abrem caminhos para uma avaliação mais aprofundada do impacto do estresse nos pacientes oncológicos e possíveis abordagens terapêuticas visando a inibição dessa via, assim como a avaliação cautelosa do uso de glicocorticoides em indivíduos com câncer.
He XY, et al. Cancer Cell, v.42, n.3. doi: 10.1016/j.ccell.2024.01.013
REFERÊNCIA
- He XY, et al. Chronic stress increases metastasis via neutrophil-mediated changes to the microenvironment. Cancer Cell, v.42, n.3, p.474-86.e12. doi: 10.1016/j.ccell.2024.01.013.
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