Journal Club PPG Imunologia Básica e Aplicada – FMRP-USP
Autores: Ualter Cipriano e Priscila Correa
Editora: Vânia Bonato
O estresse tem ocupado significativo espaço na rotina diária dos seres humanos. Essa condição modula a fisiologia do nosso organismo por meio da liberação de hormônios na corrente sanguínea, que atuam sistemicamente. Um dos hormônios mais conhecidos associado ao estresse é o cortisol, que faz parte de um grupo maior, os corticoides. O cortisol é importante para o ciclo circadiano (rotina claro-escuro), apresenta efeito anti-inflamatório e regula o estado emocional. O estresse é mais evidente em pessoas na fase adulta, mas trabalhos já descreveram que indivíduos que passaram por algum tipo de estresse na infância, como abandono, abuso físico ou mental, negligência, são mais propensos a desenvolverem algum tipo de transtorno mental na idade adulta (1).
O desenvolvimento do sistema nervoso (SN) durante a infância sofre um processo chamado de plasticidade neural, que consiste na remodelamento das estruturas do neurônio, e pode apresentar relação com transtornos mentais. O aumento ou diminuição das sinapses neuronais, que acontece com a formação ou remoção de regiões pré- e pós-sinápticas, caracteriza a plasticidade neural. O aumento das sinapses está associado ao desenvolvimento e aprendizado, enquanto a diminuição é um processo homeostático para guiar o desenvolvimento do SN. A redução das sinapses neurais, efetuadas por micróglias e astrócitos por meio da fagocitose, é descrita como poda neural, e evita o excesso de sinalização pelos neurônios (2). A poda neural excessiva está associada ao transtorno do espectro autista, enquanto a diminuição na poda neural está associada à esquizofrenia e à doença de Alzheimer (3).
Corticoides modulam a poda neural realizada por micróglia e astrócitos, podendo alterar o processo fisiológico de plasticidade e contribuindo para o desenvolvimento de transtornos mentais. Como o estresse estimula a produção de cortisol, situações de estresse na fase inicial da vida podem acarretar em alterações na poda neural decorrentes da produção de cortisol, culminando em algum tipo de transtorno mental na fase adulta.
Byun e colaboradores (4), pesquisadores da República da Coréia, isolaram camundongos recém nascidos de suas mães 3 horas por dia durante os 14 dias iniciais de vida, e constataram que os animais, ao atingirem idade adulta, apresentaram comportamento associado ao transtorno depressivo e capacidade de socialização reduzida.
Para entender como o estresse do isolamento afetava os recém-nascidos, os autores observaram que os astrócitos do SN desses animais realizavam mais fagocitose, apresentavam aumento nos receptores para corticoides (GR) e expressavam mais MERTK, um importante receptor envolvido no processo fagocítico. Uma vez que os astrócitos são células que desempenham importante papel no processo de remodelamento sináptico através da fagocitoce, o grupo testou também a interferêcia da corticosterona, um dos principais glicocorticóides liberados pelas glândulas adrenais de roedores em situações de estresse. Ao analisar os impactos nas células astrocitárias presentes na região do córtex cerebral, uma superativação da via GR-MERTK foi identificada, sugerindo que hormônios do estresse ativam seu receptor em astrócitos e pela translocação de GR para o núcleo, ocorre aumento da expressão de MERTK. Vesículas lisossomais, organelas responsáveis pela degradação de sinapses durante a fagocitose, também foram abundantes nesses animais.
Busacando comprovar se essas alterações também aconteciam em seres humanos, os autores utilizaram organóides, que mimetizam o cérebro neonatal humano, cultivando-os com cortisol. Essa incubação conduziu a hiperativação da via GR-MERTK e aumento dos compartimentos lisossomais abrigando a proteína PSD95, típica de regiões pós-sinápticas dos neurônios, sugerindo que essa fagocitose eliminava regiões importantes para a sinalização sináptica.
A exclusão do gene codificante dos receptores GR e MERTK nos astrócitos em animais submetidos ao estresse precoce, resultou na redução da ativação dessa via fagocítica, bem como na redução de vesículas lisossomais nas regiões pós-sinápticas. Na ausência dessas moléculas, os animais tinham seu comportamento restaurado, apresentavam interesse em socialização e não tinham mais o comportamento associado ao transtorno depressivo.
Em resumo, esse artigo mostra que animais submetidos ao estresse na infância, como privação social nos primeiros estágios de vida, produzem corticoides que ativam seu receptor e desencadeiam a fagocitose de regiões pós-sinápticas em neurônios pelos astrócitos e, consequentemente, desenvolvem comportamentos anormais em idade adulta. O grupo discute não somente a importância dos traumas relacionados à infância, que podem resultar em transtornos mentais tardios, como também discutem sobre o uso excessivo de corticóides na infância, usados como anti-inflamatórios para doenças crônicas.
Resumo: O estresse na infância leva ao aumento de hormônios estressores, como os corticóides, que ativam seu receptor (GR) nos astrócitos, resultando no aumento da expressão de MERTK, importante para a fagocitose. O aumento da fagocitose em regiões pós-sinápticas dos neurônios, mediada por astrócitos, é um mecanismo descrito como poda neural, e resulta em transtornos comportamentais na fase adulta, como redução da sociabilidade e promovendo comportamento associado ao transtorno depressivo.
Referências
1- Carr, Clara Passmann MSc; Martins, Camilla Maria Severi MPhil; Stingel, Ana Maria PhD. et al. The Role of Early Life Stress in Adult Psychiatric Disorders: A Systematic Review According to Childhood Trauma Subtypes. The Journal of Nervous and Mental Disease 201(12):p 1007-1020, December 2013.
2- Lee, JH., Kim, Jy., Noh, S. et al. Astrocytes phagocytose adult hippocampal synapses for circuit homeostasis. Nature 590, 612–617 (2021).
3- Penzes, P., Cahill, M., Jones, K. et al. Dendritic spine pathology in neuropsychiatric disorders. Nat Neurosci 14, 285–293 (2011).
4- Byun YG, Kim NS, Kim G, et al. Stress induces behavioral abnormalities by increasing expression of phagocytic receptor MERTK in astrocytes to promote synapse phagocytosis. Immunity. 2023;56(9):2105-2120.e13.
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