Pesquisadores franceses elucidam mecanismos de memória imunológica subjacentes à infecção urinária de recorrência
20 de setembro de 2023
COMPARTILHAR Facebook Twiter Google Plus

Autoras: Nayara Pereira e Rafaela Souza

Editor: Ademilson Panunto Castelo

Seminário apresentado junto ao Curso de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada USP/RP

 

Estudo intitulado “Tissue-resident memory T cells mediate mucosal immunity to recurrent urinary tract infection”, publicado na Revista Science, em maio de 2023, por Rousseau e cols.,5 buscou identificar os mecanismos envolvidos no estabelecimento da memória imunológica em infecções urinárias, as quais têm como característica a recorrência.

 

Dentre as infecções que afetam as mucosas, aquelas do trato urinário são caracterizadas por, em uma parte substancial da população, causar reinfecção pelo mesmo patógeno. Por volta de 75% das infecções do trato urinário (ITUs) são causadas pela colonização da bexiga por bactérias Escherichia coli uropatogênicas (UPEC, do inglês Uropathogenic E. coli). Quando não tratadas corretamente, as ITUs podem levar a complicações sérias como a pielonefrite e o choque séptico.2

Mulheres correspondem ao grupo mais acometido por infecções urinárias, que frequentemente se repetem em até seis meses. Já em homens, a prevalência de infecções é menor, entretanto, a chance de desenvolvimento de complicações é maior quando comparado a mulheres. Fatores hormonais são colocados como as principais evidências para essa disparidade entres os grupos, embora os estudos experimentais sobre a imunidade da mucosa da bexiga em machos ainda sejam escassos quando comparados àqueles em fêmeas.1

O estudo em tela, desenvolvido por um grupo francês,5 buscou entender os mecanismos pelos quais as ITUs se davam com tanta recorrência e envolviam frequentemente o mesmo patógeno. Tendo como base a literatura,4 Rousseau e cols. levantaram duas hipóteses: persistência de bactérias na bexiga mesmo após a resolução da primeira infecção e deficiências no estabelecimento de memória imunológica eficiente contra o patógeno.

Em relação à primeira hipótese, baseado em estudo anterior do próprio grupo, foi demonstrado que UPEC conseguem permanecer sob forma de reservatório na bexiga mesmo após a resolução da doença.3 Diante disso, o objetivo do trabalho em questão foi investigar a resposta de memória que surge após ITUs causadas por UPEC.

Assim, utilizaram um modelo experimental, no qual fêmeas de camundongos foram infectadas por via uretral com 107 unidades formadoras de colônia (UFCs) de UPEC, sendo monitorada a carga bacteriana na urina por 28 dias até a completa resolução da infecção. Após esse período, os animais foram reinfectados com a mesma quantidade de UFCs, avaliando-se novamente, após 24 horas, a carga bacteriana e os parâmetros imunológicos.

Os resultados mostraram que animais previamente infectados com UPEC, ao serem reinfectados, apresentaram menor carga bacteriana na bexiga quando comparados aos animais que receberam apenas a infecção primária, ou seja, sem a infecção prévia. Os autores sugeriram que a infecção primária estimulou uma resposta imunológica protetora contra a reinfecção.

Em busca do mecanismo imunológico responsável pela resistência adquirida pelos animais a reinfecção, os autores primeiramente avaliaram a participação das células B, ao realizar a mesma estratégia experimental em animais que não possuíam a habilidade de amadurecer esse tipo celular, não observando diferença no fenômeno.

Baseado em trabalhos anteriores do grupo onde já haviam demonstrado a provável participação dessas células T diante nesse fenômeno de resistência2, passaram a avaliar tais células. No decorrer da infecção primária foi observado um aumento das células T CD4+ até o sétimo dia após a infecção, sendo que esse tipo celular se manteve em quantidades altas após a infecção secundária. Aos observarem a polarização das células em questão no decorrer da infecção, os autores encontraram um fenótipo misto de células T auxiliadoras do tipo 1(Th1), Th2, Th17 e até mesmo T reguladoras (Tregs) que migraram para a bexiga após a infecção.

Com o intuito de encontrar o mecanismo de resistência, os autores realizaram a mesma estratégia experimental, variando o inóculo para a infecção inicial ou tratando com antibióticos, a fim de limitar a permanência antigênica. Como as células T CD4+ não se alteraram com a mudança do inóculo inicial ou com o tratamento com antibióticos, os autores se questionaram se não haveria a presença de outra população celular que se formou a partir da primeira infecção e permaneceu no tecido.

Então, estudando mais profundamente as células presentes na bexiga, os pesquisadores detectaram após a infecção secundária uma população de células T residentes de memória (CD4+ e CD8+) específicas para UPEC. Essas populações de células de memória estavam reduzidas quando baixas cargas bacterianas foram usadas na infecção primária, corroborando os resultados anteriores. Com isso, os pesquisadores sugeriram um papel para essas células na formação da memória imunológica em infecções bacterianas de mucosa.

Para confirmar a importância das células T de memória residentes e não de células T circulantes, para a resistência adquirida pelos animais, os autores testaram transferir células T derivadas do baço ou do linfonodo de animais que receberam apenas a infecção primária por UPEC, para animais naives e observaram que isso não conferia proteção a reinfecção. Além disso, a depleção sistêmica de células T ou o bloqueio da migração de linfócitos de memória dos linfonodos para o tecido infectado não afetou o efeito de proteção, indicando que apenas as células T de memória residentes são suficientes para a proteção contra a reinfecção.

Esse estudo evidencia o papel central das células T residentes de memória no estabelecimento da memória imunológica em resposta a infecção bacteriana na bexiga, destacando alternativas a antibioticoterapia que podem levar a resistência bacteriana e provendo um potencial alvo terapêutico para imunoterapias e novas estratégias para vacinas que previnem infecções de repetição que acometem o trato urinário.

 

Referências:

  1. Deltourbe L, Lacerda Mariano L, Hreha TN, Hunstad DA, Ingersoll MA. The impact of biological sex on diseases of the urinary tract. Mucosal Immunol. 2022 May;15(5):857-866. doi: 10.1038/s41385-022-00549-0. Epub 2022 Jul 22. PMID: 35869147; PMCID: PMC9305688.
  2. Flores-Mireles AL, Walker JN, Caparon M, Hultgren SJ. Urinary tract infections: epidemiology, mechanisms of infection and treatment options. Nat Rev Microbiol. 2015 May;13(5):269-84. doi: 10.1038/nrmicro3432. Epub 2015 Apr 8. PMID: 25853778; PMCID: PMC4457377.
  3. Mora-Bau G, Platt AM, van Rooijen N, Randolph GJ, Albert ML, Ingersoll MA. Macrophages subvert adaptive immunity to urinary tract infection. PLoS Pathog. 2015 Jul 16;11(7):e1005044. doi: 10.1371/journal.ppat.1005044. PMID: 26182347; PMCID: PMC4504509.
  4. Mysorekar, I. U., & Hultgren, S. J. (2006). Mechanisms of uropathogenic Escherichia coli persistence and eradication from the urinary tract. Proceedings of the National Academy of Sciences, 103(38), 14170–14175. doi:10.1073/pnas.0602136103.
  5. Rousseau M, Lacerda Mariano L, Canton T, Ingersoll MA. Tissue-resident memory T cells mediate mucosal immunity to recurrent urinary tract infection. Sci Immunol. 2023 May 26;8(83):eabn4332. doi: 10.1126/sciimmunol.abn4332. Epub 2023 May 26. PMID: 37235683.
PUBLICADO POR
SBI Comunicação
Colunista Colaborador
ver todos os artigos desse colunista >
OUTROS SBLOGI
Imunidade antitumoral pode ser potencializada por células dendríticas clássicas do tipo I via STING
SBI Comunicação
24 de abril de 2024
Linfócitos T CD4+: até que ponto eles nos auxiliam a controlar a doença de Chagas?
SBI Comunicação
17 de abril de 2024
Aspectos recentes da Doença de Chagas e da patogenia e alvos terapêuticos da cardiopatia chagásica crônica
SBI Comunicação
15 de abril de 2024