Sentinelas gliais: inflamassomas em astrócitos no combate viral
29 de abril de 2025
COMPARTILHAR Facebook Twiter Google Plus

Autora: Karina R. Bortoluci

Professora Associada da UNIFESP, Ex-Vice-Presidente da SBI (2020-2021) e Presidente eleita da SBI (Gestão 2026-2027)

Os astrócitos são células gliais abundantes e multifuncionais no sistema nervoso central (SNC), com papéis bem estabelecidos na regulação da barreira hematoencefálica, metabolismo energético e plasticidade sináptica. Para além dessas funções clássicas, eles também participam ativamente de respostas imunológicas — inclusive por meio da ativação de inflamassomas, complexos multiproteicos da imunidade inata capazes de detectar PAMPs, DAMPs e alterações na homeostase celular.

 

A montagem dos inflamassomas, a partir do reconhecimento desses sinais, leva ao recrutamento e autoclivagem da caspase-1, que cliva os substratos pro-IL-1β, pro-IL-18 e gasdermina-D (GSDMD). A porção N-terminal da GSDMD se insere na membrana plasmática (e possivelmente em outras membranas celulares), formando poros pelos quais essas citocinas são liberadas, podendo também desencadear um processo de morte celular inflamatória denominado piroptose.

É curioso imaginar que células do SNC estejam equipadas com moléculas capazes de desencadear respostas tão intensamente inflamatórias. No entanto, a ativação de inflamassomas em astrócitos já foi observada em diversas condições infecciosas e estéreis, com consequências benéficas ou deletérias, dependendo do contexto.

Na plataforma Semantic Scholar, há mais de 100 mil artigos discutindo o papel dos inflamassomas em astrócitos — desde doenças neurodegenerativas e transtornos psiquiátricos até trauma, tumores e patologias autoimunes (https://www.semanticscholar.org/search?q=astrocytes%20inflammasomes&sort=relevance&page=11). Ainda assim, menos de 1% desses estudos abordam infecções. E, considerando que astrócitos podem atuar como reservatórios virais (1-3), entender como eles lidam com infecções é crucial para prevenir a neuroinflamação e a perda neuronal.

Diante disso, nosso grupo tem se dedicado a investigar como astrócitos respondem a infecções virais. Em estudo recente (de Farias et, submetido), mostramos que a infecção por SARS-CoV-2 induz a ativação do inflamassoma NLRP3 em astrócitos murinos de maneira convencional, promovendo a ativação da caspase-1, formação de specks de ASC e secreção de IL-1β, sem induzir piroptose. A ausência de NLRP3, caspase-1 ou GSDMD aumenta significativamente a carga viral, e a adição de IL-1β recombinante resgata a resposta antiviral, revelando um papel crítico da via NLRP3–caspase-1–IL-1β no controle desse vírus.

Na infecção por Zika vírus (ZIKV), por outro lado, a ativação da caspase-1 não é acompanhada por liberação de IL-1β nem por morte celular, configurando uma resposta não canônica (4). Astrócitos caspase-1⁻/⁻ são altamente permissivos à replicação do ZIKV e exibem exacerbação da via glicolítica, com aumento na produção de seus metabólitos. Essa alteração metabólica favorece a replicação viral, mas pode ser revertida por inibidores da glicólise, da via mTOR ou do transporte mitocondrial de piruvato.

Esses achados revelam dois perfis distintos de atuação dos inflamassomas em astrócitos:

  • Um mecanismo clássico, dependente de IL-1β, que restringe o SARS-CoV-2 (Figura A);
  • E um mecanismo metabólico e potencialmente não inflamatório, no qual a caspase-1 modula o metabolismo celular, favorecendo o controle do ZIKV (Figura B).

Mais do que barreiras passivas, os astrócitos se mostram efetores ativos e versáteis da imunidade cerebral. Compreender como os inflamassomas moldam essas respostas — seja por citocinas ou por vias metabólicas — é essencial para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas contra infecções virais no SNC.

  1. Stefanik, M. et al. Characterisation of Zika virus infection in primary human astrocytes. BMC Neurosci 19, 5 (2018).
  2. Ledur, P. F. et al. Zika virus infection leads to mitochondrial failure, oxidative stress and DNA damage in human iPSC-derived astrocytes. Sci Rep 10, 1218 (2020).
  3. Crunfli F. et al. Morphological, cellular, and molecular basis of brain infection in COVID-19 patients. Proc Natl Acad Sci U S A.;119(35):e2200960119 (2022).
  4. de Farias IS et al. Caspase-1/11 controls Zika virus replication in astrocytes by inhibiting glycolytic metabolism. FEBS J. 12. doi: 10.1111/febs.70061 (2025).