Ter qualidade de sono protege seu coração
17 de março de 2019
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Por: Patrick Fernandes e Aline Carvalho (doutorandos IBA-FMRP/USP)

 
Editora: Luciana Benevides
 

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte nas últimas décadas, segundo dados da OMS e da Universidade de Oxford. A principal doença cardiovascular é a aterosclerose (1), caracterizada como uma doença crônica inflamatória ocasionada pelo acúmulo de colesterol LDL no sangue, o qual é retido na parede dos vasos. Não só o LDL se acumula na região dos vasos como também induz o influxo de monócitos inflamatórios que se diferenciam em macrófagos. Os macrófagos, ao fagocitarem altos níveis de LDL, tendem a se tornar células espumosas e morrem nos vasos iniciando reações inflamatórias levando à formação da placa lipídica. O rompimento da placa é ditado pela atuação do sistema imune adaptativo por meio das células Th1 que secretam IFN-gamma. As células Th17 possuem efeito protetor e as células T reguladoras (Tregs) inibem o papel inflamatório da Th1 (1). Caso a placa se rompa, o trombo pode obstruir vasos coronarianos e levar ao infarto do miocárdio.

Além dos fatores de risco para desenvolvimento de doenças cardíacas, como estilo de vida, alimentação e predisposição genética, estudos vêm mostrando como a privação de sono também pode comprometer a nossa saúde (2) e aumentar o risco de desenvolvimento de doenças cardíacas (3), além de doenças como câncer (4), diabetes tipo 2 (5), obesidade (6), etc. Em suma, a literatura mostra a importância do sono para prevenção do desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Para entender se o sono poderia regular e proteger de doenças cardíacas, um trabalho publicado recentemente na Nature (7) utilizou camundongos com predisposição genética para o desenvolvimento de aterosclerose. Esses animais foram submetidos a uma dieta rica em gordura e a um regime de fragmentação do sono, no qual eram acordados a cada dois minutos durante dezesseis semanas. Os camundongos que tinham o sono perturbado desenvolviam maiores lesões vasculares e apresentavam maior número de macrófagos inflamatórios na região dos vasos e na circulação sanguínea. Ao analisar a medula óssea, os camundongos com o sono fragmentado tinham maior quantidade de células que dão origem aos monócitos inflamatórios, além delas apresentarem maior atividade proliferativa.

É conhecido que perturbações no sono podem desencadear alterações nos níveis de alguns neurotransmissores. E a hipocretina, um neurotransmissor responsável, dentre outras coisas, pelo estado de vigília, tinha sua produção significantemente reduzida no hipotálamo de camundongos que foram submetidos a fragmentação do sono. A redução de hipocretina tinha relação direta com o aumento de monócitos inflamatórios na circulação sanguínea e da proliferação de progenitores na medula óssea. No entanto, ainda não era possível concluir que a redução da hipocretina causava o aumento da proliferação dessas células, uma vez que as células progenitoras de monócitos não apresentavam receptores para a hipocretina e não respondiam diretamente a ela in-vitro. Apesar de não apresentarem receptores de hipocretina, as células progenitoras de monócitos são sensíveis a estimulação com o fator estimulante de colônia de macrófagos (Csf1), que induzem a sua proliferação. Os pré-neutrófilos, células progenitores e imaturas da medula óssea, estão próximas a diversas outras subpopulações progenitoras, e apresentam na sua superfície receptores para a hipocretina. Os pré-neutrófilos, quando estimulados com hipocretina, reduzem a secreção de Csf1, e isso reduz a proliferação de células progenitoras de monócitos, ligando todos os pontos desse eixo de regulação (Figura 1).

Há mais de duas décadas é notório que o aumento de células circulantes do sistema imunológico está relacionado com o agravamento do quadro de aterosclerose, e os autores do recente trabalho demonstraram que noites de sono inadequadas podem resultar no aumento de monócitos inflamatórios circulantes que aumentam a inflamação local.

 

Figura 1 - A fragmentação do sono inibe a produção da hipocretina. A hipocretina é responsável pela inibição da produção de CSF1 por pré-neutrófilos. Na ausência de hipocretina os pré-neutrófilos produzem maiores quantidades de CSF1 que estimulam células progenitoras de monócitos a se proliferar e diferenciar em monócitos inflamatórios. Na circulação sanguínea os monócitos inflamatórios se depositam nos vasos para fagocitar o LDL e aumentam as placas de ateroma.

 
Referências

  1. Gisterå, A., Hansson, Göran K. The immunology of atherosclerosis. Nature Reviews Nephrology. 2017/04/10/online. Vol 13. 368. Nature Publishing Group, a division of Macmillan Publishers Limited. All Rights Reserved. 10.1038/nrneph.2017.51. Review Article (2017).
  1. Hafner, M., Stepanek, M., Taylor, J., Troxel, W. M. & van Stolk, C. Why sleep matters—the economic costs of insufcient sleep: a cross-country comparative analysis. Rand Health Q. 6, 11 (2017).
  2. Cappuccio, F. P., Cooper, D., D’Elia, L., Strazzullo, P. & Miller, M. A. Sleep duration predicts cardiovascular outcomes: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. Eur. Heart J. 32, 1484–1492 (2011).
  3. Blask, D. E. Melatonin, sleep disturbance and cancer risk. Sleep Med. Rev. 13, 257–264 (2009).
  4. Shan, Z. et al. Sleep duration and risk of type 2 diabetes: a meta-analysis of prospective studies. Diabetes Care 38, 529–537 (2015).
  5. Cappuccio, F. P. et al. Meta-analysis of short sleep duration and obesity in children and adults. Sleep 31, 619–626 (2008).
  6. MCALPINE, C. S.; et al. Sleeps modulates haematopoiesis and protects against atherosclerosis. Nature, v. 556, p. 383–387, 2019.

 

PUBLICADO POR
IBA-FMRP/USP
Colunista Colaborador
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