Vacina BCG e a imunidade cruzada: proteção além da tuberculose
15 de julho de 2024
COMPARTILHAR Facebook Twiter Google Plus

Autores: Ualter Cipriano e Fernanda Oliveira.

Editora: Beatriz Rossetti Ferreira

Seminário apresentado junto ao Curso de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada USP/RP

Referência: Tran, K.A., Pernet, E., Sadeghi, M. et al. BCG immunization induces CX3CR1hi effector memory T cells to provide cross-protection via IFN-γ-mediated trained immunity. Nat Immunol 25, 418–431 (2024). https://doi.org/10.1038/s41590-023-01739-z

A vacinação com Bacillus Calmette–Guérin (BCG) completa um século nesta década, com a primeira pessoa vacinada em 1921. A imunização com BCG oferece proteção contra a infecção por Mycobacterium tuberculosis, especialmente nos primeiros anos de vida, quando muitos recém-nascidos são infectados. Estudos mostram que a BCG também oferece proteção cruzada contra infecções virais e é utilizada como tratamento para evitar recidiva de câncer de bexiga. Ainda não se sabe exatamente como a BCG proporciona essa proteção cruzada, ou seja, como a vacinação contra um organismo específico pode gerar uma resposta protetora para uma infecção por outro organismo.

Para entender essa questão, Tran e colaboradores desenvolveram o estudo intitulado “BCG immunization induces CX3CR1hi effector memory T cells to provide cross-protection via IFN-γ-mediated trained immunity”, no qual respondem essa pergunta. Os autores vacinaram animais com BCG por via intravenosa (iv) ou subcutânea (sc) e os infectaram com o vírus H1N1, 28 dias após a vacinação. 

Os animais vacinados com BCG iv apresentaram maior sobrevida quando comparados aos submetidos as outras condições (vacinação por via subcutânea e não vacinados) e menor carga viral após três dias. Os autores observaram também que essa resposta persistia em animais infectados até seis meses após a vacinação. Para investigar se essa resposta era mediada pela imunidade inata relacionada a macrófagos, os autores diferenciaram essas células a partir de precursores da medula óssea de animais vacinados com BCG iv e as infectaram com H1N1, mas não observaram diferença na carga viral, sugerindo o envolvimento da resposta imune adaptativa.

De forma interessante, os autores observaram aumento no número de linfócitos CD4 que expressavam a molécula CX3CR1 nos pulmões de animais vacinados com BCG iv e infectados com H1N1. Essa molécula é expressa em linfócitos de memória, responsáveis pela resposta rápida do sistema imunológico em um segundo encontro com um patógeno. Ao investigar se esses linfócitos eram específicos para responder ao H1N1, os autores descobriram que não. Eles eram específicos ao BCG!

Para entender o papel desses linfócitos na proteção contra H1N1, os autores encontraram que essas células produziam IFN-γ quando ativadas. Como esses linfócitos eram específicos para BCG e estavam ativados pela infecção por H1N1, produziam altos níveis de IFN-γ. A pesquisa ainda mostrou que as citocinas IL-12, -15 e -18 eram eficientes em ativar os linfócitos de forma inespecífica e induzir uma produção ainda maior de IFN-γ, de modo que o bloqueio dessa citocina resultou no aumento da carga viral em animais vacinados com BCG iv.

Quando o vírus H1N1 infecta o ser humano, ele chega aos pulmões, onde encontra os macrófagos alveolares. Com base nessa informação, os autores elaboraram a hipótese que o IFN-γ poderia atuar nos macrófagos alveolares e, assim, melhoraria a resposta imune dessas células para combater o vírus. Para testar isso, macrófagos alveolares de animais wild-type (WT) ou deficientes para o receptor de IFN-γ (IFNGR KO) foram co-cultivados com células T CX3CR1hi, que são produtoras de IFN-γ. Macrófagos alveolares WT controlaram melhor a infecção in vitro por H1N1 quando comparado aos macrófagos IFNGR KO. Além de melhorar a atividade dos macrófagos alveolares, o IFN-γ também aumentou a expressão de MHC-II nessas células, sugerindo induzir uma maior ativação e atividade celular, que permitiu o controle viral.

Assim, os autores demonstram que a vacinação por BGC iv induz geração de células TCD4 de memória específicas para BCG que estimulam uma resposta inespecífica cruzada contra outras infecções devido a produção de IFN-γ. Resposta essa mediada pela ação de citocinas como IL-12, -15 e -18 que podem ser produzidas nas infecções secundárias. Esses linfócitos TCD4 produzem IFN-γ que ativa e aumenta a expressão de MHC-II em macrófagos alveolares, melhorando o controle viral e a sobrevida dos animais infectados com vírus H1N1 (Fig. 1).

Figura 1. A vacinação com BCG induz a produção de linfócitos TCD4 de memória que expressam CX3CR1. Esses linfócitos são secretores de IFN-γ, que por sua vez ao entrar em contato com macrófagos alveolares estimulam a resposta imune, a qual é chamada de resposta imune “treinada”. Esses macrófagos “treinados” elevam a expressão de MHC-II e controlam melhor a infecção viral, além de aumentarem a sobrevida dos animais infectados.

PUBLICADO POR
SBI Comunicação
Colunista Colaborador
ver todos os artigos desse colunista >
OUTROS SBLOGI
Gotículas lipídicas extracelulares carregadas com alarmina induzem a infiltração de neutrófilos nas vias aéreas durante a inflamação do tipo 2
SBI Comunicação
16 de dezembro de 2024
“Nada se perde e nada se cria, tudo se transforma.” Estudo desvenda como o produto do metabolismo glicolítico dos queratinócitos pode alimentar a inflamação tipo 17 na pele
SBI Comunicação
25 de novembro de 2024
Uma via imunoendócrina dependente de IFN-γ promove redução da glicemia para potencialização da resposta imunológica antiviral
SBI Comunicação
04 de novembro de 2024