Por: Martín Bonamino, Instituto Nacional de Câncer (INCA) e FIOCRUZ
Tenho visto com preocupação um novo fenômeno nas últimas duas semanas: uma epidemia de pessoas recém-vacinadas e que têm realizado testes para detectar suas IgGs contra o vírus da COVID-19.
Já ouvi relatos de pessoas que se frustram com os seus títulos de anticorpos que não aumentam após a vacinação, julgam não estarem imunes e até planejam se vacinar novamente com a outra vacina disponível, pois a primeira "não funcionou".
Há inclusive profissionais de saúde orientando que as pessoas façam estes exames e empresas testando sistematicamente os funcionários vacinados para checar seus níveis de anticorpos.
Não há qualquer motivo, a priori, para acreditar que uma pessoa saudável não vá responder bem à vacina. As vacinas não são infalíveis, claro, mas a grande maioria das pessoas desenvolverá anticorpos e respostas celulares, ficando protegidas das formas graves da doença.
Toda esta ansiedade, na verdade, está fundamentada em um grande desconhecimento do efeito da vacina e dos testes para detectar os anticorpos gerados por elas.
Para as vacinas baseadas na proteína S, como a da AstraZeneca, pode ocorrer que seu título de anticorpos não aumente se for utilizado um teste comercial que detecta anticorpos contra a proteína N. Estes anticorpos não são estimulados por esta vacina.
Para a Coronavac, embora tenhamos o vírus inteiro induzindo anticorpos, é sabido que os títulos de anticorpos não são tão altos e que a maioria das pessoas não vai produzir quantidades relevantes de anticorpos contra a proteína N.
Percebam, portanto, que para as duas vacinas em uso no Brasil, testar a presença de anticorpos contra a proteína N nos laboratórios de análises clínicas não faz sentido.
Não faz sentido, principalmente, pois a proteção será fornecida pelos anticorpos contra proteína S e pela resposta celular, e nenhum destes aspectos é testado nesses exames.
Existem sim testes destinados a detectar anticorpos contra a proteína S, mas mesmo estes ensaios não nos dizem muito sobre a proteção efetiva. As vacinas, portanto, funcionam, mas estes testes não são adequados para avaliar seu funcionamento.
Há pessoas que então, não satisfeitas de ter em mão o exame sem aumento de anticorpos, se propõe a pagar uma quantia considerável para realizar a avaliação de anticorpos neutralizantes.
Eu, particularmente, não conheço nenhum imunologista que tenha ido a um laboratório fazer esse exame depois de se vacinar.
E o motivo é simples, embora seja uma curiosidade de qualquer um, estes testes serão feitos neutralizando a proteína do vírus original, o que não garante que estaremos bem protegidos contra as variantes em curso.
Aliás, frequentemente só detectamos novas variantes depois que elas já se disseminaram aqui no Brasil, então é impossível saber, com base nestes testes, se você estará protegido contra uma variante que está circulando silenciosamente na sua região.
Estes testes têm sim grande utilidade para a pesquisa da resposta imunológica e poderão até auxiliar na mudança de políticas de vacinação contra o novo coronavírus no futuro, mas não têm, neste momento, qualquer valor para guiar ações individuais.
Parece-me importante nos perguntarmos o motivo de as pessoas quererem tanto ter um teste em mãos com IgGs ou anticorpos neutralizantes "bombando"...
Não há dúvida de que um dos motivos é se sentir mais protegido, mas parte das pessoas quer mesmo é um salvo conduto para interagir com seus familiares, amigos e afins.
Estes testes não fornecerão esta segurança por alguns motivos. Ter anticorpos em grande quantidade não garante que você estará integralmente protegido contra as formas graves provocadas pelas variantes.
Variantes que, neste momento, já são as predominantes nas infecções no Brasil. Além disso, um teste positivo dá uma sensação de proteção que faz a pessoa acabar se expondo mais e aumentando seu risco.
Em resumo, se você se vacinou, a chance de estar protegido é muito grande e os testes não te dirão se você é realmente a exceção à regra.
Mais ainda, se você for uma daquelas poucas pessoas que reagiu à vacina com pouca resposta do sistema imune, não há, neste momento, indicação de tomar uma vacina diferente.
O que vai te proteger de fato é manter os cuidados já amplamente conhecidos e ter ao seu redor o maior número possível de pessoas vacinadas.
E que informação vale a pena olhar então para se sentir mais confortável após receber a vacina?
O dado que nos interessa de fato é o impacto das vacinas na população em termos de número de contágios, internações, casos graves e óbitos. E, ao que parece, todas as vacinas aprovadas têm impacto positivo nestes quesitos, inclusive as duas que são oferecidas atualmente no país.
Os dados estão começando a aparecer no Brasil e indicam que, ao menos a Coronavac, protegeria das variantes na mesma taxa que faz com o vírus original, o que realmente é uma ótima notícia se confirmada.
Nas próximas semanas certamente teremos mais dados disponíveis para avaliarmos estes perfis de resposta e proteção. Confiemos, portanto, no efeito das vacinas. Tem pouca serventia se preocupar com a quantidade ou qualidade dos seus anticorpos.
Mais vale pressionar para que tenhamos a maior quantidade de vacinas no menor prazo possível. Após se vacinar, siga se protegendo para não se expor e não expor os demais.
E aguardemos que, assim que muita gente tenha sido vacinada, consigamos diminuir a circulação do vírus. Só então estaremos todos mais seguros. Não entre nessa onda de fazer o teste sorológico ou de neutralização sem entender para que servem, quais suas implicações e limitações.
Por último, se você tem recursos financeiros sobrando e quer se sentir mais confortável com tudo o que está acontecendo a nossa volta, não gaste seu dinheiro com estes testes.
Feitos desta maneira, eles não terão qualquer impacto real na evolução da doença no país e dirão pouco sobre sua chance de pegar COVID-19 após vacinado.
Doe estes recursos para as iniciativas que estão apoiando as pessoas com mais necessidades e os mais vulneráveis neste momento tão delicado. Este gesto sim ajudará a mitigar os efeitos da pandemia.
*O artigo foi publicado originalmente no site MartinLab, neste link.
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