O papel da Imunologia na vida das pessoas
18 de outubro de 2022
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Por: Ana Paula Lepique

Docente no Departamento de Imunologia, no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP)

A imunologia é a ciência que estuda respostas do organismo ao ambiente, e que também mantém o equilíbrio geral do organismo, desde o desenvolvimento do feto, até a fase adulta. Problemas em elementos do sistema imune podem ter consequências, às vezes graves, para a saúde das pessoas.

Os estudos de imunologia são relatados há séculos, e o primeiro imunologista famoso foi o médico inglês, Edward Jenner (até por observação de relatos de outros médicos), que percebeu que as pessoas que entravam em contato com gado com varíola apresentavam uma forma atenuada da doença. Nessa época, há relatos de que 60% das pessoas se infectavam com varíola, e dessas, 20% iam a óbito. Jenner, coletou material de uma lesão de uma mulher com varíola adquirida por contato com gado com varíola, e usou esse material para inocular um menino de oito anos. Depois disso, ele inoculou o menino com material de pústulas de varíola humana (um processo, na época, chamado de “variolation”) e o menino não desenvolveu doença. Esse é o primeiro relato formal de um processo de vacinação e aconteceu em 1796.

O desenvolvimento de diversas outras vacinas ao longo do tempo praticamente erradicou doenças como varíola, sarampo, tétano, poliomielite, difteria, e muitas outras da população humana. Hoje em dia, o desenvolvimento de vacinas continua sendo um campo importante em saúde humana já que novos desafios aparecem sempre.

No Brasil, por exemplo, temos tido exemplos de doenças que previamente estavam controladas, mas voltaram a se espalhar, como a febre amarela e sarampo, e outras que recentemente têm deixado a população muito alarmada como doenças causadas pelo ZIKA vírus e Chicungunha. Além disso, não podemos esquecer das vacinas contra gripe, doença que dizimou populações no passado, e que hoje em dia, pelo menos para os vírus já caracterizados, pode ser prevenida por vacinação. Mais recentemente ainda, tivemos a pandemia de COVID-19. Felizmente, os estudos de imunologia e de desenvolvimento de vacinas estavam avançados o suficiente para que, rapidamente, várias instituições conseguissem desenvolver vacinas contra o vírus SARS-CoV2, responsável pela COVID-19. Em países que comparam a taxa de mortes entre pacientes com COVID-19 vacinados e não vacinados percebesse o claro papel protetor da vacina. Por exemplo, nos Estados Unidos a taxa de mortalidade, em julho de 2022, foi 11 vezes maior em pessoas não vacinadas do que pessoas vacinadas, com duas doses de reforço (fonte: Universidade de Oxford, Oxford Martin School).   

Além das vacinas, o estudo de imunologia tem gerado informações importantes sobre uma série de doenças que são melhor manejadas, pelo conhecimento que obtivemos sobre elas. Doenças autoimunes, onde o sistema imune falha ao diferenciar alvos que devem ou não ser atacados, como esclerose múltipla e artrite reumatoide, podem ser tratadas com diferentes opções terapêuticas, graças à pesquisa que nos levou a compreender melhor os mecanismos dessas doenças.

Por outro lado, imunodeficiências primárias, quando o sistema imune tem um defeito de resposta congênito (ausência da expressão de um fator que é necessário para o controle de uma infecção, por exemplo), podem ser identificadas logo que as crianças nascem, graças a testes que foram desenvolvidos através do estudo de diversos laboratórios de pesquisa pelo mundo. Imunodeficiências adquiridas, que o paciente adquire ao longo da vida, seja por uma infecção viral, como por HIV, seja por idade, seja a que chamamos de iatrogênica, por exemplo, pacientes transplantados que precisam ser imunossuprimidos para evitar que eles rejeitem seus transplantes, são diariamente beneficiados pelos estudos de imunologia. A compreensão dos mecanismos das diferentes doenças é essencial para o melhor atendimento e manejo desses pacientes.

Falando em transplante, estudos de imunologia nos levaram à compreensão de que há diferenças genéticas entre indivíduos da mesma espécie que levam à rejeição de um órgão transplantado de um indivíduo para outro. A rejeição ocorre porque o sistema imune do receptor reconhece o tecido do doador como um corpo estranho. Com todo o conhecimento que temos hoje sobre os mecanismos de rejeição, é possível estudar marcadores genéticos entre doadores e receptores que permitam maior sucesso dos transplantes, além do desenvolvimento de medicamentos que mantenham o receptor imunossuprimido para que o órgão não seja rejeitado.

Outra situação relacionada, mas um pouco diferente é a relação do corpo da mãe com o feto. O feto tem genes do pai e da mãe e com isso é geneticamente diferente da mãe e, portanto, poderia ser rejeitado. O organismo da mãe, porém apresenta uma série de mecanismos de tolerância ao feto. A compressão desses mecanismos tem ajudado mães que rejeitariam seus fetos, através de diferentes tipos de tratamento que previnem ou atenuam respostas de rejeição.

As pesquisas em imunologia culminam no desenvolvimento de imunoterapias contra câncer. O desenvolvimento de imunobiológicos para tratamento de vários tipos de câncer é resultante de pesquisas realizadas por James Allison e Tasuku Honjo, que ganharam o prêmio Nobel de Medicina em 2018. Esse tipo de terapia contra câncer foi desenvolvido a partir de estudos que mostram que o sistema imune de pacientes com câncer consegue reconhecer células cancerígenas, mas que existem mecanismos de tolerância e controle que impedem que os pacientes respondam contra os tumores. Como se houvesse um freio para a resposta imune em paciente com câncer. Os novos imunoterápicos eliminam esse freio, permitindo que as respostas imunes do paciente controlem o crescimento tumoral. Atualmente também se tem estudado o desenvolvimento de células do sistema imunológico, que são geneticamente modificadas para reconhecer e eliminar células tumorais de forma específica, as “CART Cells (do inglês Células T com receptor quimérico para antígeno)”.

Finalmente, hoje em dia compreendemos melhor como o equilíbrio de respostas imunes ao ambiente, incluindo alimentos, poluição, e até os microrganismos que vivem no nosso trato digestório e nossa pele, influenciam o equilíbrio do nosso organismo todo. Por exemplo, processos infecciosos ou inflamatórios no intestino podem gerar alterações em outros órgãos como pulmões ou até sistema nervoso central. Também compreendemos melhor como outros aspectos da nossa saúde influenciam o sistema imune. Por exemplo, pessoas com obesidade, apresentam maior inflamação do que pessoas sem obesidade, e isso se reflete na saúde geral de cada pessoa.

Podemos, portanto, concluir que a Imunologia permeia nossas vidas, e sua compreensão tem trazido inúmeros benefícios para a humanidade. É essencial que continuemos pesquisando e aperfeiçoando o que sabemos, descobrindo mecanismos e processos novos, e com isso contribuir para a melhoria da vida das pessoas.

 

 

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