Autoras: Núbia Sabrina Martins e Rafaela Lúcia de Souza Lopes
Editora: Profa Vanessa Carregaro
Seminário apresentado na disciplina Tópicos Avançados de Imunologia do Programa de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada da FMRP-USP.
O hipocampo é uma região do Sistema Nervoso Central associada à memória e ao aprendizado. Ao longo da história, alguns mecanismos têm sido propostos para entender e justificar o processo de sua formação. Dentre tais mecanismos, destaca-se a capacidade de neurônios hipocampais realizarem o potencial de longo prazo (LTP, do inglês Long-term Potentiation), que consiste no aumento da força sináptica em decorrência a liberação sustentada de neurotransmissores. Recentemente, a modificação da matriz extracelular, denominada redes perineuronais (PNN, do inglês Perineuronal Nets) e a formação de cílios neuronais, também têm sido associada à formação da memória. Já está bem descrito na literatura que a atividade neuronal relaciona-se com quebras no DNA, gerando fragmentos de dupla fita (dsDNA). Tais fragmentos podem ser reconhecidos por Toll-like receptor 9 (TLR9) e estudos recentes têm mostrado a associação de TLR9 com a função do SNC, contribuindo para a degeneração de neurônios dopaminérgicos e para o limiar da dor. Considerando que a atividade neuronal leva à quebras do DNA que podem ser reconhecidos por TLR9 e que este receptor está associado à disfunções neurais, Jovasevic e colaboradores investigaram o papel da sinalização de TLR9 em neurônios hipocampais e sua participação na formação da memória.
Para isso, foi utilizado como estratégia o protocolo de condicionamento contextual do medo (CFC), o qual induz estímulos que fundamentam o comprometimento de conjuntos de neurônios hipocampais específicos para o desenvolvimento de memória. Assim, a fim de realizar uma análise dos perfis transcricionais dos neurônios dorso-hipocampais, foi realizado o sequenciamento de RNA (RNA-seq) total isolado do hipocampo de camundongos em diferentes períodos, representando: memória recente (96 horas) ou memória remota (21 dias) após o CFC. Foi visto uma diferença robusta nos perfis de expressão gênica para memória recente em relação à memória remota, e dentro dos genes da resposta imune, as análises identificaram o TLR9 e sua via de sinalização NF-κB como os agrupamentos de genes funcionais mais proeminentes. Seguido de TLR9, LAMP2, um marcador de endossomos e lisossomos tardios, apresentou sua co-localização com TLR9 aumentada, especificamente nos neurônios. Sendo o TLR9 um dos principais sensores de DNA extranuclear, foi hipotetizado que os fragmentos de dsDNA gerados a partir da atividade neuronal sejam detectados por TRL9. De fato, os autores observaram que o CFC induz nos neurônios hipocampais a marcação de lesão e de reparo ao DNA, além da marcação do TLR9. Para comprovar o papel de TLR9 na formação da memória, foram utilizados camundongos deficientes para TLR9 em neurônios dorso-hipocampais na região CA1, e avaliado, então, o comportamento de congelamento dos animais (paralisia pelo medo). E sim, a deficiência de TLR9 leva à diminuição do comportamento de congelamento, demonstrando que o TLR9 é necessário para a formação da memória. Para avaliar a via jusante induzida por TLR9 para a formação da memória, utilizaram camundongos RELA-/- (gene que codifica o NF-KB) e para IFNAR (receptor de interferon do tipo 1). Assim, foi evidenciada a colocalização da marcação de lesão e reparo ao DNA no hipocampo de animais nockout para TLR9 e RELA, quando comparado aos animais do tipo selvagem e para IFNAR-/-, demonstrando que a via inflamatória induzida pelo TLR9 é requerida para a formação de memória. Por fim, avaliaram as consequências da deficiência de TLR9 para a formação da memória. Na ausência de TLR9 e RELA não havia a formação de cílios neuronais, o crescimento de PNNs e a produção do fator transcricional CREB (que regula diversas respostas celulares como a proliferação e diferenciação), todos indispensáveis para a formação da memória.
O artigo nos traz uma via promissora de sinalização TLR9 específica em neurônios e a sinalização RELA à jusante como alvos preventivos e terapêuticos promissores para preservar a saúde neurocognitiva.
Referência: Jovasevic, Vladimir, et al. Formation of memory assemblies through the DNA-sensing TLR9 pathway. Nature 628.8006 (2024): 145-153. doi: 10.1038/s41586-024-07220-
Figura 1. Papel do TLR9 na formação da memória. Fragmentos de DNA de dupla fita (dsDNA) gerados a partir da sinapse neuronal são translocados do núcleo para o citoplasma, onde são reconhecidos por TLR9. Como consequência NF-kB é fosforilado, promovendo transcrição de genes relacionados ao reparo tecidual e ciliogênese e, dessa forma, influencia na formação da memória.
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